Wednesday, January 03, 2007

Vem aí a electrodiálise para os vinhos!


Como vem acontecendo em diversos segmentos da nossa realidade – telecomunicações, medicina, transportes, etc. - eis que também no sector enológico nacional se perspectiva uma mudança, que parece não ser pequena. A estabilização tartárica de vinhos através da aplicação de frio parece ir ser cilindrada pela inédita (em Portugal) e requintada (porque não poluente, económica, rápida e mais eficaz) estabilização tartárica pelo processo da electrodiálise.
A tecnologia da electrodiálise tem vindo a ser aplicada há alguns anos na indústria farmacêutica e no sector agro-alimentar para produtos tais como água, leite, cerveja, sumo de fruta e, mais recentemente, vinho.
No sector enológico, a electrodiálise utiliza-se na estabilização tartárica dos vinhos (brevemente na diminuição do pH e, quiça, na redução do teor alcoólico), sendo prática já utilizada em países como os EUA, Austrália, Itália e França.
Mesmo sendo uma tecnologia patenteada pelo INRA (Institute National de Recherche Agronomique) em França e aprovada pelo CIPE - Código Internacional de Práticas Enológicas (pág.18) a electrodiálise foi experimentada em todos os tipos de vinhos produzidos em Portugal e em algumas das empresas de referência do sector vitivinícola nacional (JM da Fonseca, Sociedade de Vinhos Borges, Sogrape e Quinta do Ameal), provando ser a técnica que mais e melhores resultados apresenta na estabilização tartárica de vinhos

A Estabilização Tartárica e a Electrodiálise

O ácido tartárico é um constituinte natural e abundante (2 a 6 gr/l) do vinho, susceptível de formar precipitados com o potássio (hidrogenotartarato de potássio-THK) e com cálcio (tartarato de cálcio- TCa). Esta cristalização produz-se rapidamente nos vinhos novos e mais lentamente nos vinhos velhos. Sendo natural e inócua, não deixa de prejudicar gravemente o aspecto dos vinhos.
Deve entender-se por estabilização tartárica de um vinho, a sua estabilidade quanto ao THK e ao TCa. Esta ocorrência depende de vários factores dos quais se destacam o teor alcoólico, a temperatura e a existência e colóides protectores.
O objectivo da estabilização tartárica é o de impedir que esta precipitação ocorra após o engarrafamento do vinho, evitando-se assim avultados prejuízos às empresas.

Os tratamentos pelo frio eram, até agora, a melhor forma de impedir a ocorrência dos precipitados no fundo das garrafas ou junto às rolhas. No entanto são demorados, dispendiosos, pouco fiáveis e responsáveis por quebras de qualidade (perda de aromas, perda de extrato seco, oxidação). Consistem em submeter o vinho a um arrefecimento rápido e violento (próximo do seu ponto de congelação) durante um longo período de tempo (que pode ir até aos 15 dias).
Definir o melhor binómio temperatura/tempo para cada tipo de vinho é operação difícil e pouco rigorosa, a que se junta a variação anual das características fisíco-químicas de cada produção.
Como consequência, o vinho após a estabilização pelo frio apresenta uma qualidade inferior ao original e não está garantidamente estabilizado. Os custos do total da operação são consideráveis e a intervenção, dá origem a um resíduo que necessita ser eliminado.

As muitas limitações deste tratamento convencional levaram a investigação enológica a desenvolver métodos alternativos ao frio, que podemos dividir em dois grupos.
1.Processos extractivos – baseados na desionização do vinho, ou seja, na redução da concentração de THK. Estão neste grupo as resinas de troca catiónica (exige tratamento prévio pelo frio) e a electrodiálise.
2. Processos baseados nas propriedades dos colóides protectores – promovem um aumento da estabilidade do THK no vinho. Estão neste grupo a adição de carboximetilcelulose ou de manoproteinas.
De todas, a electrodiálise provou ser a melhor – na eficácia, no rigor, no respeito pelo meio ambiente, no aspecto económico e na manutenção das características do vinho.

A electrodiálise é um processo que separa partículas iónicas em solução (logo, com carga eléctrica) de moléculas não carregadas, obrigando-as a passar através de membranas de permeabilidade selectiva, por efeito de um campo eléctrico. No sector agroalimentar é uma técnica muito vulgarizada na desmineralização do soro do leite.
As membranas utilizadas em enologia foram concebidas para garantir uma elevada selectividade aos iões potássio e bitartarato e para respeitar, na integra, as características físico-químicas e organolépticas do vinho. São selectivas aos iões presentes no vinho, de acordo com a sua carga. Assim, temos membranas catiónicas (permeáveis aos catiões potássio, cálcio e sódio) e membranas aniónicas (permeáveis ao anião bitartarato). Desta forma, a electrodiálise antecipa o estado que o vinho iria atingir naturalmente sob o efeito do tempo e do frio de Inverno, sem alterar nenhuma das suas características iniciais.

Vantagens Comparativas entre a Estbilização Tartárica por Frio e por Electrodiálise

EF - Estabilização pelo Frio
Não determina previamente o grau de instabilidade do vinho
Realizada “às cegas”, por defeito ou por excesso, o que determina um grau de estabilidade aleatório
Utiliza aditivos (enologia aditiva)
Produz resíduos
Produz alterações no vinho que reduzem a sua qualidade (redução do extrato seco, oxidação)
Provoca alterações organolépticas no vinho que diminuem a sua qualidade (perda de aromas, perda de extrato seco, oxidação, desgaseificação)
Após a estabilização o vinho necessita trasfega, filtração ou centrifugação.
Demorada, porque exige um período para arrefecimento e outro para aquecimento do vinho
Elevado consumo energético
ED- Estabilização tartárica por electrodiálise
Como procedimento prévio é determinado o grau de instabilidade do vinho
A estabilização é garantida e realizada em função do equilíbrio físico-químico de cada vinho,
eliminando na dose certa a quantidade de potássio e ácido tartárico em excesso no vinho.
Não faz uso de aditivos (enologia subtrativa)
Não produz resíduo
Não provoca alterações químicas do vinho que diminuam a sua qualidade
Não provoca alterações organolépticas no vinho que diminuam a sua qualidade
Após a estabilização o vinho não necessita trasfega,filtração ou centrifugação
Imediata, porque efectuada à temperatura natural do vinho
Reduzido consumo energético

Aparentemente, todos teremos a ganhar - consumidor, vinhos, ambiente. É esperar para ver...




A madeira e o Vinho


Na história da enologia, vinhos e madeira evoluíram de forma paralela e indissociável, até porque esta era uma matéria-prima abundante em todos os continentes e de fácil utilização e manuseamento. Depois, razões de origem económica e tecnológica - a escassez das madeiras nobres para o vinho, os custos de mão-de-obra para o fabrico e manutenção dos cascos, a introdução do inox como material inerte e de fácil manutenção e higienização, - relegaram para segundo plano este nobre material.

Nos últimos 10 a 15 anos assistiu-se a um regresso às origens, sendo nos dias de hoje sobejamente conhecidas as inegáveis características aromáticas e gustativas que a boa madeira pode conferir, não a todos, mas a alguns vinhos.

À luz dos actuais conhecimentos, poderemos resumir a tipologia das melhores madeiras utilizadas em enologia em dois tipos, de acordo com a sua origem. O carvalho americano ( Quercus alba) e o carvalho europeu (Quercus petraea e Quercus robur), com particular ênfase para o carvalho francês.
O carvalho nacional e o carvalho das florestas da europa do leste terão certamente características igualmente desejáveis mas, o peso económico que a indústria de tanoaria tem nos Estados Unidos da América e em França, associado a investigações de cariz académico, resultaram numa imagem mais elitista e, quiçá, mais justa, para a madeira daqueles países.

Mantendo a linguagem simplista diremos ainda que o carvalho americano está mais indicado para melhorar a qualidade dos vinhos brancos, enquanto que o francês está mais associado aos vinhos tintos (carvalho da região de Allier) ou aguardentes (carvalho da região de Limousin).
Mais ainda, admite-se ser vantajoso que os brancos fermentem e sejam conservados em madeira, enquanto que os tintos não deverão fermentar na madeira, apenas deverão estagiar.

Comum a todos os vinhos que estagiem (reduzido período de contacto) ou envelheçam (significativo período de contacto) em madeira, temos a penetração lenta e contínua de oxigénio o que, durante a fermentação alcoólica se revela particularmente favorável às leveduras, favorecendo reacções químicas diversas que se traduzem numa maior estabilidade da côr, diminuição da adstringência (sensação algo equivalente a que se sente quando se comem diospiros pouco maduros) e aumento da complexidade organoléptica do vinho.

A transformação e extracção de compostos da madeira directamente para o vinho, depende de vários factores. Uns derivados do próprio vinho – se é ou não jovem, se está ou não filtrado, se tem muito ou pouco teor álcool, etc.- outros derivados da própria madeira – o tipo, a origem, a tecnologia de secagem, a tecnologia de fabrico dos cascos. Destacamos neste último factor a chofa (queima) a que é submetido o interior do casco durante o seu fabrico, já que contribui para o enobrecimento da madeira, integrando-se assim esta mais subtilmente no vinho, pelas notas aromáticas (caramelo, baunilha torrada,…) e gustativas (chocolate, amêndoa,…) que normalmente lhe confere.

Mas, não se julgue que o simples facto de um qualquer vinho ser estagiado ou envelhecido em madeira de qualidade, resulta obrigatoriamente num produto distinto. A boa madeira não faz o vinho, antes o complementa, ou seja, um vinho sofrível por falta de estrutura ou equilíbrio entre os seus componentes (álcool, ácidos, taninos, corpo,...), não se transforma, no interior de um casco, num vinho de eleição. O vinho tem de suportar a madeira e não de surgir diluído nela.

Esperemos que a recente legislação (Código Internacional de Práticas Enológicas) que aprova e define a utilização de aparas de madeira no vinho, não sirva para camuflar defeitos em vez de enaltecer virtudes….