Tuesday, November 29, 2011

O sulfuroso na saúde e na enologia

O dióxido de enxofre (SO2) ou sulfuroso, é o mais antigo produto enológico. Os romanos já o utilizavam, sob a forma de mechas de enxofre. No século XV, na Alemanha, as suas potencialidades já eram conhecidas na desinfecção de barris.
As suas múltiplas caraterísticas e a utilização cada vez mais simples e prática, fazem dele um aditivo quase obrigatório na elaboração e/ou conservação do vinho. As mais recentes evoluções na enologia permitiram racionalizar o seu uso, de tal forma que as doses de emprego correspondem hoje a cerca de 25% das que se utilizavam há 100 anos.
Um dos objectivos da enologia é reduzir até ao limite do necessário o teor de SO2 no vinho, mantendo as suas qualidades. Estas preocupações resultam do facto de apresentar alguma toxicidade para o utilizador e para oconsumidor, particularmente para os asmáticos.
A toxicidade aguda é raríssima, podendo manifestar-se através de crises alérgicas, enxaquecas, tosse violenta, náuseas, irritação dos olhos, dores torácicas.
A toxicidade crónica pode ocorrer através da destruição da tiamina/vitamina B1 (em caso de regime alimentar carenciado), enfraquecimento do esmalte dentário, irritação dos olhos e vias respiratórias.
A legislação obriga a referir no rótulo do vinho a presença de sulfitos (sais de ácido sulfuroso). Qualquer vinho com mais de 10 mg/litro de SO2 (teor que pode ser natural, ou seja, sem origem na adição de sulfuroso) deve identificar a sua presença.
A OMS fixou a dose diária admissível em 0,7 mg de SO2/Kg de peso corporal. O consumo de vinho pode estar na origem de cerca de 75% deste valor. Um adulto de 70 Kg poderá ingerir até 49 mg de sulfuroso/dia. Este valor equivale ao consumo de 0,5 litros de vinho com 100 mg/litro.
Nenhum outro produto enológico apresenta espectro de ação tão alargado. Alguns são utilizados apenas como substitutos parciais:
A tiamina (60 mg/hl no máximo) – adicionada no início da fermentação, altera o metabolismo das leveduras, fazendo com que estas produzam menos compostos cetónicos. Daqui resulta um maior teor de SO2 livre.
O sorbato de potássio (200 mg/l no máximo) – utilizado quando se pretende apenas um efeito anti-leveduras. Por exemplo, na estabilização de vinhos doces.
O ácido ascórbico (150 mg/l no máximo) – tem elevada capacidade antioxidante. Utilizado apenas em vinhos de consumo rápido. O seu uso na proteção das uvas brancas, antes da vinificação, não permite reduzir as doses de utilização de SO2.
A lisozima (50 g/hl no máximo) – permite a substituição do SO2 na gestão da população de bactérias responsáveis pela fermentação malolática, através da degradação da respectiva parede celular. Esta capacidade aumenta à medida que aumenta o pH do meio. Por não afetar as leveduras pode ser utilizada em amuos da fermentação alcoólica, associada a riscos de pico lático.
O gelo seco e a neve carbónica – utilizados quer para arrefecer mosto/massas vínicas, quer para protegê-los das oxidações.
Através da utilização de tecnologias recentes, tais como a microfiltração tangencial e a flash pasteurização é também possível baixar as doses de SO2. Ambas reduzem a população microbiana do vinho. A primeira, por filtração. A segunda, através da elevação da temperatura do vinho até 75ºC durante alguns segundos.

Teores máximos admissíveis de SO2 total (exp. mg/l) nos vinhos portugueses, colocados no mercado
Tinto seco : 150
Branco e Rosado secos: 200
Tinto com teor de glucose + frutose ≥ 5 gr/l: 200
Branco e Rosado com teor de glucose + frutose ≥ 5 gr/l: 250
Branco “Colheita tardia” denominação Douro: 400
Licoroso seco: 150
Licoroso com teor de glucose + frutose ≥ 5 gr/l: 200
Espumante de qualidade: 185
Outros espumantes: 235

Para os mais puristas no que concerne a questões de natureza alimentar, julgamos ser importante cruzar a temática com duas outras abordagens. Uma diz respeito ao chamado “vinho biológico”. Importa esclarecer que esta designação não é aceite a nível comunitário, ou seja, não existe “vinho biológico”. Apenas se reconhece a produção de uvas de origem biológica, não a sua transformação.
Outra, mais importante e abrangente, diz respeito aos alimentos pré-embalados (fiambres, legumes, queijos, peixes, batatas fritas, etc.) A grande maioria também contém sulfitos, alguns deles com valores cerca de dez superiores aos do vinho - por exemplo os frutos secos descascados. Pelo facto de a grande maioria destes alimentos não possuírem caraterísticas que reforcem a respetiva capacidade de auto conservação (ao contrário do que acontece nos vinhos, atendendo ao álcool, pH baixo e, alguns deles, taninos), são ainda adicionadas com uma miríade de substâncias, algumas delas mais perniciosas para a saúde que o SO2. Registe-se que a CE permite a utilização de 399 aditivos na indústria alimentar - 52 corantes; 36 conservantes; 35 antioxidantes; 84 emulsionantes, estabilizadores, espessantes e gelificantes; 19 edulcorantes e ainda 173 “outros”. Destes, alguns apresentam contra-indicações preocupantes. Por exemplo, o E-621 (glutamato monossódico) utilizado como intensificador de sabor, está associado a palpitações, dores de cabeça, náuseas, dores no pescoço, endurecimento muscular e fraqueza dos braços. O E-210 (ácido benzóico) está associado a desordens de natureza neurológica. O E-151 (corante artificial negro) está associado à formação de quistos intestinais em porcos.
Assim, caso pretendamos reduzir os níveis de aditivos ingeridos, devemos começar por eliminar o consumo de alimentos pré-transformados, sendo o vinho a menor das ameaças.

Na figura acima, um espumante italiano anunciado como não tendo sulfuroso. Se não for mito, é uma realidade ao alcance de muito poucos, pelo preço que lhe estará associado.

Nota: SO2 total = SO2 combinado + SO2 livre ( a fração mais eficaz)

Saturday, February 12, 2011

Quinta do Seixo. Não matem a galinha por favor!

Foi há poucos dias.
Era um domingo cordial. Daqueles que nos vassouram para fora de casa! E lá fui ter, com um grupo de amigos, às margens do Douro. O objectivo era um dos ícones locais, a lindíssima Quinta do Seixo (Sandeman).
Ar lavado, sol honesto pelo meio-dia, subida com vista de cortar a respiração, vinhas meticulosamente tratadas, acessos a condizer e eis-nos num local onde dá gosto estar.
Recepção profissional e impecável. Passagem à segunda ronda onde um encapuçado, símbolo da marca, se propôs guiar-nos pelas instalações. Quase perfeito, se descontarmos a nítida pressa com que a coisa correu. Bem, admito que chegamos algo em cima da hora, mas os clientes tem sempre razão... Certo?
Finalmente, chegados a uma sala lindíssima, feliz na arquitectura que majora a bênção da altitude e da vista que drena até ao rio, lá nos abancamos para satisfazer o palato. Dois vinhos do Porto Tawny, um branco e um tinto, serviço esmerado em copos que o Siza Vieira resolveu complicar e que, ainda assim, são os “oficiais”. Mas, até aqui tudo bem. O pior veio depois e, também desta vez, a culpa veio da mensagem e não do mensageiro. Explico. Então não é que uma das recomendações para o melhor consumo daqueles vinhos, paridos naquela heróica região, naquelas vinhas encavalitadas monte acima, naquelas instalações magníficas onde até se dão ao “luxo” de ter diferentes sistemas de vinificação de tintos de acordo com as características dos anos e das massas, é : podem misturá-lo com cerveja! Ai, ai, vinho do Porto com cerveja….
Percebo a realidade do sector e a necessidade de pragmatismo comercial, mas não é assim que se faz! De resto, o ano de 2010 até foi aquele que registou um aumento de vendas de Porto relativamente aos últimos 10 anos (aumento de 5% em valor e 2,9% em volume). E estou certo, não foi pela sua diluição numa qualquer cerveja, num qualquer país.
A expansão da base de consumo não passa pela prostituição do vinho, mas sim pela sua valorização e pela educação dos sentidos. De resto, vinho com cerveja é a antítese do enoturismo que tanto e tão bem tem servido a região nos últimos anos.

Vou dar uma borla à Quinta do Seixo/Sandeman, com outras recomendações que não a cerveja: pratos de queijo, sobremesas doces (não ultrapassando a doçura do vinho), chocolate com um toque amargo, natural ou pela adição da bagas ou frutos ácidos.
Se se atreverem a casarem um LBV ou um Vintage com queijo Roquefort vão descobrir baunilha na hibridação.

Friday, February 11, 2011

Seminário Vitivinicultura Atlântica - Construir o Futuro. Pico, Junho 2011



O facto de existirem numerosos países, com significado vitivinícola, banhados pelo Atlântico, como são os casos de Portugal, Espanha, França, EUA (estados de Nova Iorque e Virginia), Brasil, Uruguai, Argentina e África do Sul, deveria ser a premissa para uma reflexão sobre aquilo que entende como zona vitícola atlântica ou vitivinicultura atlântica. Como se sabe, as vitiviniculturas intra-país e inter-países são tão diversas, quanto diversas são as principais castas cultivadas (sendo elas autóctones ou importadas), as técnicas vitícolas e enológicas utilizadas, as características macro e mesoclimáticas e as características edáficas.
Tal constatação, remete-nos para a pergunta: o que é a vitivinicultura atlântica? Quais são os factores que a tipificam e diferenciam das restantes?
Como ponto da partida, a análise dos principais índices bioclimáticos vitícolas (temperatura, iluminação, precipitação, índice heliotérmico) revelaria só por si um plano de clivagem nítido entre a “viticultura insular atlântica” e a restante viticultura atlântica. Mário Fregoni, no I Congresso Internacional de Viticultura Atlântica (Espanha,1994) , preconizava mesmo a criação de um grupo de peritos no seio da O.I.V. para o estudo desta temática.
Assim, mais do que uma referenciação aferida ao oceano Atlântico, a especificidade da vitivinicultura dos Açores, das Canárias e da Madeira, depois de identificada e quantificada, deveria merecer por si só uma terminologia própria – vitivinicultura insular atlântica?
Após a concretização desta premissa, a defesa da especificidade destes três arquipélagos apresentaria, desde logo, um maior numero de argumentos, culturais, legislativos, técnicos e promocionais.

Numa época de forte aposta no enoturismo, poderia estar aqui uma das chaves para a manutenção daquelas vitiviniculturas, que se desejam vivas e com saúde. Sim, porque por aquelas brumosas bandas, também se faz vinho de qualidade. Senão, vejamos:

sabiam que o VLQPRD Pico 2000 foi Medalha de Ouro no XIII Concurso de Vinhos e Bebidas Espirituosas na Feira Internacional “PRODEXPO” Moscovo 2011 no passado dia 5?

Pois é... quero ver agora as revistas da "especialidade" a darem o devido destaque à coisa em grandes parangonas, como fazem com a marcas mais mediáticas.Ou isso, ou sou levado a pensar que precisamos de uns cálices de equidade e genuinidade nos media báquicos.