O carácter anárquico da internet dos nossos dias deslumbra e assusta.
Como meio de comunicação democrático que é, tem o mérito de subverter a
tradicional comunicação vertical impositiva, numa outra, horizontal.
Por jornalista devemos entender o profissional que pesquisa,
recolhe, selecciona e trata factos e opiniões através do texto, imagem ou som,
sendo o seu trabalho desenvolvido como ocupação principal remunerada e
destinada a ser divulgada por um meio de comunicação social. E bloguista? O que é?
De momento apenas se sabe que a expressão está muito em voga e que estes vão
mais à frente, já que detêm o controle completo dos conteúdos que pretendem
editar – quem tiver uma estória para contar já não necessita de um editor para
a dar a conhecer.
Moda? Narcisismo? Frustração? Necessidade de reforço de uma presença
até então diluída nos media tradicionais? Altruísmo? Novos deveres de
cidadania? O aparecimento dos bloguistas deriva do facto de a net e
outras novas tecnologias de consumo, terem derrubado os obstáculos ao registo e
divulgação de informação, possibilitando aos anónimos participarem num jogo
tradicionalmente protagonizado por profissionais. Não nos enganemos no entanto,
porque na maioria dos casos as notícias divulgadas pelos bloguistas tiveram
origem nos media tradicionais.
A blogosfera permitiu ao cidadão não jornalista um refrescante
protagonismo comunicacional. Sendo verdade que o bloguista pode fazer um
trabalho de mérito, pergunta-se? Pode a informação estar dependente da
voluntariedade, mesmo considerando que ela é idónea ? Coisa que, desenganemo-nos, raramente
acontece...
Praticamente todos os jornais de referência do mundo oferecem a
possibilidade aos seus leitores de criarem blogues. Entre nós os Expresso,
Sol, Publico e i são
exemplos. São os media a tentar
capturar os excessos!
Em 2006, o sindicato de jornalistas da Grã-Bretanha tornou-se na
primeira entidade a regulamentar (ou pelos menos a tentar) a participação de
cidadãos na produção e distribuição de notícias. Segundo este “Código de
Conduta” os jornalistas britânicos só podem publicar uma informação recebida de
um cidadão jornalista após verificação da sua veracidade, usando outras fontes. E
entre nós? Do que estamos à espera?
Quais são então os limites do ofício do jornalista e do cidadão?
Uma corrente académica actual acredita que a liberdade de reflexão do
receptor terá sido a progenitora da vulgarização do bloguista, materializada
pela web. Este revolucionário meio de comunicação retiraria dos grandes
veículos de mediação de massas a propriedade e a autoridade sobre a informação,
passando assim esta a ser do domínio público.
Este no entanto parece ser um falso problema. A informação sempre foi
do domínio público. As diferentes épocas históricas e os diferentes cenários
políticos é que fazem dela artigo privado a ser disponibilizado consoante a
ocasião entendida como a mais favorável.
Mas, escrever em blogues é fazer jornalismo? Os blogues actuais são
estruturas que servem principalmente para a criação de opiniões – a criação
autónoma, a liberdade de edição, a gratuitidade e os comentário são aliciantes
para quem quer partilhar e libertar a sua opinião, embora geralmente
correspondam ao assumir de protagonismos motivados por razões privadas. Blogues
são apenas locais interactivos de produzir informação (pouca) e opinião (muita).
O bloguista será assim, tal como o cidadão-jonalista, apenas uma nova
espécie no ecossistema mediático de uma rede que torna possível acumular as
funções de repórter, redactor e editor. Trata-se de uma ruptura em relação aos
meios tradicionais de comunicação de massas – qualquer computador ligado à
internet, pode ser correio, jornal, editora, estação de rádio ou de televisão.
Mas, atenção! O entusiasmo com o potencial de inserção na rede precisa
de ser refreado, tendo em conta a realidade da desigualdade ao seu acesso bem
como a capacitação individual em a utilizar. Em Portugal apenas 15% da
população tem acesso à net a partir de casa!...
Imberbes nos actos, ingénuos na excitação da novidade, o bloguista, mais
tarde ou mais cedo, será também ele digerido na voragem interesseira dos grandes
grupos económicos – coisa que aliás já vai acontecendo. Exemplo: O Publico.pt
está a convidar bloguistas especializados que ocupem lugar de destaque no seu
domínio, para se juntarem à lista de blogues do jornal.
A solução poderá passar pela associação dos cidadãos-jornalistas e/ou
bloguistas à margem de qualquer grupo empresarial como de resto já foi feito
pelo sul coreano Oh Yeon Ho e a sua publicação online
OhMyNews, que conta com
mais de 40.000 colaboradores pulverizados pelo mundo. Até quando será possível
(até quando lho permitirão), ou até quando ele próprio não se afundará no seu
próprio deslumbramento e se transformará naquilo que critica, eis a questão!?
Fundamentados na realidade de uma web sem restrições, os
bloguistas podem tornar-se avessos a qualquer tipo de mediação ou controle,
porque desvirtuaria a sua total liberdade de expressão. Mas,
quantos estarão dispostos a pagar por uma publicação feita exclusivamente por
eles? E quando os mecanismo de responsabilização legal e civil estiverem a
funcionar em pleno, quantos desejarão continuar a sê-lo?
As notícias são gulosas em disponibilidade. Quanto
envolvimento físico, mental e temporal o bloguista terá para dar, para além
daquele que reforça o seu interesse pessoal e imediato? Durante quanto tempo?
Será a interactividade (teoricamente inesgotável dentro de cada matéria)
compatível com os prazos de conclusão dos trabalhos?
Talvez nas palavras de Ramonet esteja parte da explicação para isso, ao
defender que “a informação está transformada em mercadoria. Não
possui valor específico ligado, por exemplo, à verdade ou à sua eficácia
cívica. Enquanto mercadoria, ela está em grande parte sujeita às leis do
mercado da oferta e da procura, em vez de estar sujeita a outras regras,
cívicas e éticas, de modo especial, que deveriam, estas sim, ser as suas”.
Vivemos numa época em que a especialização é a cereja, no bolo da
qualquer carreira. Porque boa razão passará agora a massa anónima de cidadãos mais
ou menos letrados, a iluminar-se nas fontes subjectivas de um qualquer
bloguista, em prejuízo de um profissional de comunicação? Estarão os media a desistir das suas verdadeiras responsabilidades por razões primárias (leia-se economicistas)? Estou com medo que esta seja a verdadeira razão...
São as novas necessidades que geram as novas funções. Elimine-se a
necessidade sentida por alguns cidadãos em dar a conhecer o mundo tal como ele
verdadeiramente é, reconquiste-se a confiança outrora sentida pelos cidadãos
nos jornalistas e teremos de novo cada um a cumprir o seu ofício.
Mas, helas, não nos esqueçamos que o potencial emergente da net
é tudo menos privilégio apenas dos cidadãos. As multinacionais, parecendo de
momento anestesiadas e confusas, são gigantes adormecidos que não tardarão a
acordar. E de novo os cidadãos tentarão reagir. E, é deste equilíbrio
desequilibrado que se vai fazendo (e lamentando) o percurso da história. A ágora
ateniense nunca foi verdadeiramente instituída tal como nunca será a ágora
electrónica materializada pelo nó que cada cidadão constituiria na rede.
Deixemo-nos de utopias. As condições sócio-económicas proporcionadas
aos cidadãos são as verdadeiras ferramentas da democracia. Não o web-jornalista,
não os bloguistas.