Tuesday, November 07, 2006

Cânones ou Ditaduras Promocionais?

Viram há dias na RTP2 o filme/documentário Mondovino de Jonathan Nossiter? Foi de resto a repetição do que há cerca de 2 anos passou no cinema – curiosamente (considerando o país de vinho que somos) de forma bastante tímida. Para quem viu, está lançado o mote. Para quem não viu, aconselho o seu visionamento. É imperdível!  Deduzo que possa estar disponível em algum clube de vídeo. Em resumo, debruça-se sobre a sempre quente temática Vinhos Artesanais versus Vinhos Industriais e a eventual (ou mais que isso) promiscuidade existente entre os principais media promocionais de vinhos (no caso, a revista Wine Spectator) e o efectivo valor enológico desses produtos. Ou, dito de outra forma, até que ponto se pode confiar nas classificações atribuídas a determinados vinhos, pela imprensa da especialidade? As distinções, vertidas em profusas tabelas, correspondem ao real valor do produto ou são reflexo de interesses menos transparentes com o objectivo de catapultar uma marca, uma empresa, uma personalidade? Quem garante a autenticidade, a idoneidade ou a democraticidade do que chega às salas de prova das Revistas? Os provadores são isentos? São tecnicamente formados? Quem lhes conferiu o estatuto de “provador”? Sofrem ou não a influência da marca?

Gostaria de acreditar que tudo vai bem nesse reino, mas não tenho a certeza de que assim é de facto. Para aumentar o desassossego, recordo a título de exemplo comparativo, a falsidade dos conteúdos jornalísticos da autoria de Jayson Blair, vindos à estampa no insuspeito The New York Times, há bem poucos anos - coisa que, de resto, deu origem ao filme Verdade ou Mentira de Billy Ray.
Recentrando a questão: o ícone comunicacional mundial em que se transformou a revista norte-americana Wine Spectator exsuda uma viscosa relação de promiscuidade entre os gigantes vitivinícolas mundiais e as tabelas classificativas dos respectivos vinhos. Os seus principais rostos – Robert Parker e Michel Rolland não serão alheios a tudo isto. Digo eu….A título de exemplo recordo apenas a “coincidência” que foi a penalização sofrida pelos vinhos franceses, depois do declarado não-alinhamento da França na guerra contra o Iraque.
Da mesma forma não se compreende a súbita promoção da região italiana da Toscânia a uma das melhores do mundo, logo após o gigante norte-americano Mondavi ter assumido interesses na região.
A “coincidência” de resto mantém-se. Na tabela Top 100 da Wine Spectator 2005 a mesma região (Toscânia) viu eleitos 7 vinhos entre os 100 melhores do mundo. Como comparação adianto que em todo o nosso Portugal, apenas 4 vinhos figuram na mesma classificação – Quinta do Vallado 2003 Douro Reserva em 27º lugar; Quinta de Roriz 2003 Douro Prazo em 55º lugar; Quinta de Ventozelo 2000 Reserva 2000 em 73º lugar e Cortes de Cima 2002 Touriga Nacional Alentejo, em 99º lugar.
Já agora, refiro nova “coincidência” : a mesma revista, no mesmo Top 100/ 2005, colocou “apenas” 30 vinhos norte-americanos entre os 100 +, sendo que, nos 10 primeiros meteu 5. Ainda preciso de dizer qual foi o país que ficou em 1º lugar?

Wine Spectator, Wine Enthusiast, Wine&Spirits, Spirits Journal, Decanter, Revista de Vinhos,....Merecem de facto a confiança dos consumidores?
Numa época em que todos controlam todos, quem faz a revisão da nave estelar que promove a ascenção mediática de marcas e de críticos de vinhos, forjados no cadinho de interesses dos grandes grupos mediáticos e/ou vitivinícolas? Quem verifica a isenção e o rigor das provas nos bastidores das Revistas?
Não há por aí nenhuma entidade/corpo técnico que, (e apesar da subjectividade que encerra o exercício da apreciação organoléptica de um vinho), garanta de facto que a qualidade intrínseca de um vinho premiado corresponde minimamente ao lugar ocupado numa tabela? A reflexa e meteórica subida de preço dos vinhos distinguidos é justa, considerando que na maioria dos casos o vinho já tinha preço definido no mercado? Que Baco nos valha!

Identificado que está o problema, apresentemos uma solução: que os consumidores anónimos e insuspeitos, altruisticamente, dêem a conhecer a sua opinião sobre os vinhos que degustaram. E, esta idéia nem sequer é pioneira, porque já há quem o faça. Trata-se agora apenas de fazer crescer o número de participantes. Da minha parte aqui vai o contributo : Dona Ermelinda Tinto Palmela DOC 2003. Numa feira de vinhos de um hipermercado comprei-o a quatro euros e gostei. Muuuiiitooo. Aroma evoluído,excelente estrutura e relação taninos/álcool/corpo. Ataque e final suave, com presença distinta na boca pelo corpo e pelo aroma.
Pena que já só tenho uma em casa...

1 comment:

Viana Oliveira said...

Bom dia Ricardo
Parece que estamos então de acordo.De facto revelam-se imprescindíveis as revistas da especialidade.O espaço concedido pelos jornais (colunas de fim de semana, sobretudo, postas por vezes ali ao melhor estilo "encher chouriços")é insuficiente e demasiado superficial. Isto para não falar do alheamento total na radio e na tv, num país cuja economia agrícola ( e não só) esta baseada na vitivinicultura...
Publicações de qualidade precisam-se, rigor e isenção nas apreciações exige-se.Moral da estória:manter funcional o filtro do cepticismo e estar atento a diversas fontes de informação.
Um abraço
Viana